Maçonaria

               O trecho a seguir foi extraído do livro As Origens da Maçonaria, de Realino de Oliveira.

 

 

               A Maçonaria é uma instituição fraternal iniciática, composta por homens que congregam ideais construtivistas como a Fraternidade, a Igualdade e a Liberdade. Na Maçonaria exerce-se a caridade que é um dos seus princípios, seus ensinamentos são tradicionalmente transmitidos por meio de suas simbologias, alegorias e analogias. Sobre a sua origem, temos uma grande discussão. Alguns acreditam que a Maçonaria descende das Sociedades Iniciáticas do Antigo Egito, outros dos Antigos Construtores Medievais e tem alguns que reivindicam sua origem aos Cavaleiros Templários. A Maçonaria denominada simbólica, possui três graus de extrema importância que formam a base de seus ensinamentos. Os ensinamentos maçônicos são muito profundos, mas cabe ao verdadeiro maçom decifrá-los e os que conseguem descobrem “grandes verdades”.

 

               Origens mágicas da maçonaria

               Trecho extraído do livro Ritual da Alta Magia de Eliphas Levi

 

               A grande associação cabalística, conhecida na Europa sob o nome de Maçonaria, surge de repente no mundo, no momento em que o protesto contra a Igreja acaba de desmembrar a unidade Cristã. Os historiadores desta Ordem não sabem explicar-lhe a origem; mas dão-lhe por mãe uma associação de pedreiros formada no tempo da construção da catedral de Estrasburgo; outros dão-lhe Cromwell por fundador, sem entrarem em indagações se os ritos da Maçonaria inglesa do tempo de Cromwell não são organizados contra este chefe de anarquia puritana; há ignorantes que atribuem aos jesuítas, senão a fundação ao menos a continuação e a direção desta sociedade muito tempo secular e sempre misteriosa. À parte esta última opinião, que se refuta por si mesma, podem se conciliar todas as outras, dizendo que os irmãos maçons pediram aos construtores da catedral de Estrasburgo seu nome e os emblemas de sua arte, que eles se organizaram pela primeira vez publicamente na Inglaterra, a favor das instituições radicais e a despeito do despotismo de Cromwell.

               Pode-se ajuntar que eles tiveram os templários por modelos, os rosa-cruzes por pais e os joanitas por antepassados. Seu dogma é o de Zoroastro e de Hermes, sua regra é a iniciação progressiva, seu princípio é a igualdade regulada pela hierarquia e a fraternidade universal; são os continuadores da escola da Alexandria, herdeiros de todas as iniciações antigas; são os depositários dos segredos do Apocalipse o do Zohar, o objeto de seu culto é a verdade representada pela luz; eles toleram todas as crenças e não professam senão uma só e mesma filosofia; eles não procuram senão a verdade; não ensinam senão a realidade e querem chamar progressivamente todas as inteligências à razão. O fim alegórico da maçonaria é a reconstrução do templo de Salomão; o fim real é a iniciação e as provas por graus.

 

               História

 

               Bem no fundo da rica história política americana permanece oculto e enterrado o nome de William Wirt. No entanto, em 1832, quando ele concorreu para a presidência dos Estados Unidos, sua votação foi considerável. Dos 24 estados então existentes, venceu em Vermont e teve 8 por cento dos 1.262.755 votos do total nacional. Ele concorreu como candidato do Partido Antimaçônico. Hoje em dia, é claro, o grupo fraternal e de serviços conhecido como Maçons Livres e Aceitos é um esteio seguro da estrutura social do mundo desenvolvido. Apenas nos Estados Unidos, cerca de 16 mil lojas recebem vários milhões de membros maçons e os principais cidadãos de muitas cidades consideram um privilégio fazer parte de uma loja. De certo modo, porém – na observância de rituais ocultos, na profusão de símbolos e títulos honoríficos e na linguagem cerimonial altissonante -, a ordem maçônica continua a ser a sociedade secreta que sempre foi, por incontáveis séculos. Mas no tempo de William Wirt os hábitos dos maçons faziam com que eles fossem objeto de amplos temores e suspeitas.

               Todo o sucesso eleitoral de Wirt deveu-se principalmente a uma figura ainda mais obscura do que ele: um homem chamado William Morgan, que teve um destino estranho em 1826, na pequena cidade de Batávia, no norte do estado de Nova York. Morgan era casado, tinha 52 anos de idade e era um artesão sem terra que vagava de um lugar para outro. Em suas viagens, descobriu alguns dos segredos cuidadosamente guardados dos maçons, um golpe que deixou nervosos os membros das lojas locais. Avisos sobre Morgan espalharam-se rapidamente por toda a área. A seguinte nota apareceu em um jornal da cidade vizinha de Canadaigua, em Nova York, no dia 9 de agosto de 1826: “Se um homem chamado William Morgan intrometer-se na comunidade, é preciso cuidado, particularmente para a Fraternidade Maçônica. Morgan esteve nesta aldeia em maio passado e sua conduta enquanto esteve aqui e em outros lugares exige esta nota (…) Morgan é considerado um vigarista e um homem perigoso. Há pessoas nesta aldeia que ficariam felizes em ver esse capitão Morgan”.

               Morgan, cujo título militar auto proclamado era tão duvidoso quanto suas intenções acerca dos maçons, concebera um plano para transformar seus conhecimentos especiais em lucro. Contratou com o editor do jornal Advocate, de Batávia, um certo coronel David C. Miller, a publicação de um livro expondo as maquinações da maçonaria. O otimista Morgan estimava que o volume pudesse render-lhe 2 milhões de dólares, na época, uma soma estupenda. Não havia muitos motivos para os maçons de Batávia ficarem tão incomodados com o esquema de Morgan; livros semelhantes, produzidos na Europa, há muito podiam ser encontrados nos Estados Unidos. Mesmo assim, os membros da loja local – que incluía cinco juízes, o xerife, seis médicos e o governador da aldeia ­sentiram-se impelidos a agir.

               Alguns fizeram com que Morgan fosse preso por uma dívida inexistente de 2 dólares e 68 centavos. Na noite seguinte, quatro maçons foram até a cadeia, pagaram a falsa dívida de Morgan, jogaram-no em uma carruagem fechada e partiram às pressas. Morgan nunca mais foi visto em Batávia. Pessoalmente uma figura patética, Morgan assumiu proporções heroicas depois de desaparecer. Seu sócio, Miller, encontrou um modo de tornar o livro uma sensação: imprimiu 50 mil panfletos anunciando com destaque o rapto e possível assassinato de Morgan e pedindo informações. Na circular, não aparecia a palavra “maçom”, mas todos sabiam quem ficara irritado com Morgan. Era de conhecimento público também que os maçons ameaçavam com terríveis castigos os que divulgassem suas práticas.

               Assim, começou a reação. Na pequena cidade de Pavillion, a cerca de 19 quilômetros de Batávia, um importante ministro batista denunciou a maçonaria como “obscura, infrutífera, desmoralizante, blasfema, homicida, antirrepublicana e anticristã – contrária à glória de Deus e ao bem da humanidade”. Os boatos eram numerosos: a garganta de Morgan fora cortada; ele havia sido empurrado nas cataratas do Niágara; tivera sua língua arrancada; fora enterrado nas areias do lago Ontário. Uma versão encantadoramente engenhosa afirmava que os maçons inclinaram uma árvore, colocaram Morgan no buraco deixado pelas raízes e depois recolocaram a árvore em seu lugar, para esmagá-lo. Isso foi apenas o começo.

Depois que o governador de Nova York, DeWitt Clinton, que também era maçom, convocou uma sucessão de grandes júris para determinar as circunstâncias do desaparecimento de Morgan, os inimigos da maçonaria, que há muito estavam em silêncio, surgiram por toda parte, furiosos. Em todo o nordeste e meio-oeste, onde o caso Morgan tivera publicidade, os maçons foram colocados no ostracismo. Ministros e professores maçons eram intimados a deixar a ordem, sob pena de perderem os empregos. Maçons foram rejeitados como jurados e eram insultados nas ruas. O caso Morgan abrira um reservatório de hostilidade popular contra as seitas secretas em geral e contra os maçons em particular.

               Figuras políticas que haviam abraçado a maçonaria, entre elas o destacado senador Henry Clay, de Kentucky, passaram a julgar prudente romper seus laços com a organização. O ex-presidente John Quincy Adams declarou que “a maçonaria deveria ser abolida para sempre. Ela é errada, essencialmente errada – uma semente de mal que nunca poderá produzir qualquer bem. A existência de uma ordem como essa é uma nódoa na moral de qualquer comunidade”. Nada, além de rapto, foi provado contra os que sumiram com Morgan de Batávia; é provável que tenham simplesmente levado ele para o Canadá, com uma bela soma para mantê-lo quieto. Mas a questão do bem-estar de Morgan quase foi deixada de lado em meio ao clamor popular. A afiliação na ordem despencou e dúzias de lojas suspenderam suas atividades.

               Apesar de tudo, havia membros teimosos, como Daniel B. Taylor, bastião da loja de Stony Creek, no estado de Michigan, que literalmente manteve a chama da maçonaria acesa em sua hora mais negra. “Nas noites de loja”, escreveu o cronista dos maçons do estado, James Fairbairn Smith, “assim que a diligência chegava trazendo o correio, ele ia apanhar seu jornal e dirigia-­se para a sala da loja. Lá chegando, acendia uma vela junto à janela e sentava-se para ler. Se não viesse mais ninguém, o irmão Taylor esperava a hora habitual de ‘fechar a loja’, e então apagava a vela, trancava a porta e ia para casa”.

               Durante a década de 1840 a controvérsia foi morrendo aos poucos e nunca mais voltou com tal virulência, mas um rastro de hostilidade acompanhou a seita na Inglaterra desde seus primeiros dias, quando se achava que era uma ameaça para a Igreja e para a coroa. Ao longo dos séculos os maçons têm sido acusados – por aqueles que vêem maquinações por trás de cada acontecimento ou tendência mundial – como parcialmente responsáveis pela Revolução Francesa, pela ascensão tanto do fascismo quanto do comunismo e até mesmo pelas brutais proezas de Jack o Estripador em Londres.

               Ao mesmo tempo, quando a loja local se transforma em um traço familiar e confortável da paisagem cívica, em geral os abalos da desconfiança desaparecem lentamente. Na União Soviética, quem diria, um professor chamado Valery Nikolaevich Emelyanov emitiu um alerta terrível em uma conferência patrocinada pelo Partido Comunista, em 1974. Falou de uma conspiração de sionistas e maçons para apoderar-se do mundo no ano 2000. A “pirâmide judaico-maçônica”, explicou ele, aludindo astutamente a um conhecido símbolo maçônico, controlava “80 por cento da economia nos países capitalistas e de 90 a 95 por cento dos meios de informação”.

               O objeto de tanta temerosa precaução tinha suas origens em uma espécie de sindicato de pedreiros da Inglaterra medieval. O termo “maçom livre” já aparece nos registros da cidade de Londres em 1375. Referia-se a pedreiros que tinham permissão para viajar pelo país, numa época em que o sistema feudal mantinha a maioria dos camponeses presa à terra. Ao contrário dos membros de outros ofícios – ferreiros e curtidores, por exemplo -, os pedreiros reuniam-se em grandes grupos para trabalhar em projetos majestosos e gloriosos, mudando-se ao terminar um castelo ou uma catedral para o próximo edifício.

               Para proteção, educação e ajuda mútuas, os maçons uniam-se em uma loja local – um edifício erguido no canteiro de obras, onde os trabalhadores se alimentavam e descansavam. Com o passar do tempo, a palavra “loja” passou a significar um grupo de pedreiros estabelecido em um determinado lugar. Em um livro de 1983, o jornalista americano George Johnson explicou a popularidade dessas equipes. “Os pedreiros dos séculos XIV e XV eram tanto arquitetos quanto trabalhadores braçais. Para os não-iniciados, seu trabalho parecia sagrado. Desde o antigo Egito, os grandes edifícios de pedra eram monumentos ao poder, que celebravam a magia dos sacerdotes e o direito divino dos reis. Para os estranhos, homens armados de cinzel, de compassos, réguas, níveis e esquadros faziam os templos crescerem no solo”.

               Para simplificar, os pedreiros tinham trabalhos exclusivos e atraentes, estavam cônscios de seu privilégio especial e muito zelosos acerca dele. Em uma época sem patentes nem direitos de autor, eles guardavam zelosamente os segredos e padrões de seus ofícios. Para proteger a integridade desses segredos, bem como o próprio prestígio, era necessário garantir que todos aqueles que afirmassem conhecer as artes da construção houvessem sido, de fato, treinados adequadamente. A preocupação era legítima, posto que os pedreiros andantes medievais encontravam-se com frequência entre estranhos, que às vezes afirmavam falsamente serem praticantes do ofício, em uma tentativa de arrancar segredos. Para afastar esses impostores, os pedreiros construíram um corpo cada vez maior de palavras e frases em código, sinais de reconhecimento e apertos de mão secretos.

               Faziam certas perguntas de um certo modo especial, e a resposta correta atestava que o recém-chegado estava qualificado para o trabalho. No século XVII, com o crescimento do número e do prestígio dos pedreiros, algumas lojas começaram a admitir membros honorários, que não eram pedreiros. A Companhia dos Pedreiros de Londres fundou a Acepção, uma organização paralela com esse propósito específico, em 1619. Ela admitia como “pedreiros aceitos” homens que não pertenciam à companhia, mas que estavam dispostos a pagar dobrado pela taxa de iniciação. Então, em 1717, quatro lojas em Londres criaram um organismo de supervisão chamado de grande loja, cujas reuniões anuais atraíam considerável atenção, organizando um movimento em rápido crescimento. Começara a transformação histórica da maçonaria, de uma simples guilda de ofício em uma poderosa organização social.

               É claro que os maçons não escancararam as portas de suas lojas para qualquer um. Descobriram que podiam atrair a nata da sociedade progressista londrina: membros do clero e das classes superiores, filósofos e príncipes livre-pensadores. Por que aristocratas e intelectuais queriam fazer parte de uma guilda de ofício não está claro, mas o caráter secreto da maçonaria, em si mesmo, parece ter sido muito atraente. Muitos candidatos à iniciação esperavam aprender os antigos mistérios e a sabedoria oculta que se achava que os maçons possuíam. Além disso, havia um crescente interesse por arquitetura e por antiguidades entre os amadores abastados. Qualquer que fosse o motivo, entre 1737 e 1907 um total de dezesseis príncipes passou pelos elaborados rituais de iniciação como maçons. Quatro deles tornaram-se reis. Paradoxalmente, a mensagem maçônica que tanto atraía os membros das fileiras privilegiadas era de fraternidade universal – o valor de cada homem, independentemente de sua condição social.

               O primeiro Livro de Constituições maçônico foi redigido por um ministro da Igreja da Escócia, o Dr. James Anderson, e publicado na Inglaterra em 1723. O Constituições foi impresso pela primeira vez nos Estados Unidos em 1734 por um grão-mestre maçom, um certo Benjamin Franklin, de Filadélfia. O histórico documento declarava ousadamente que, na atmosfera de camaradagem da loja, os que pertenciam a religiões diferentes deveriam ser capazes de associar-se e discutir novas ideias. “Embora nos Tempos antigos os Maçons assumissem cada religião do País ou Nação, fosse qual fosse”, explicava o Constituições, “hoje é considerado mais oportuno apenas obrigá-los àquela religião em que todos os Homens concordam, deixando suas Opiniões particulares para si mesmos; isto é, serem Homens bons e fiéis, ou Homens de Honra e Honestidade, qualquer que seja a Denominação ou Persuasão que os distinga”.

               Tolerância e espírito aberto: estas eram noções poderosas, em uma era tão estratificada. “Em última instância, talvez”, escreveu o historiador J. M. Roberts em 1975, “a maior importância social dos maçons tenha sido o fato de proporcionar um alívio em relação à trivialidade, estreiteza e rigidez da vida do século XVIII”. Mas a sociabilidade não era o único apelo para o público em geral. Os aristocratas não estavam sozinhos em sua sede de encontrar o sentido esotérico da vida. Pessoas de condição inferior também eram atraídas pela ideia de que os maçons, com seu aparato de costumes místicos e códigos secretos, haviam de algum modo herdado a sabedoria oculta dos tempos passados.

Os próprios maçons criaram, adornaram e foram cativados pela crença de que um saber especial fora transmitido a eles através dos séculos. Uma lenda romântica dizia até que Adão fora o primeiro maçom, e que o avental maçônico, traço marcante do costume tradicional da seita, representava a folha de parreira. Outros precursores propostos por diligentes “pesquisadores” maçônicos eram apenas ligeiramente menos fantasiosos, e remontavam a linhagem da ordem aos construtores das pirâmides do Egito, passavam deles para antigos cultos gregos tais como os pitagóricos e eleusínios e finalmente atravessavam um desfile de cultos esotéricos medievais: gnósticos, cátaros, templários e rosa-cruzes.

               Quando os maçons exploravam esses laços, reais ou imaginários, com grupos ocultos do passado distante, isso fazia parte de uma busca mais ampla da verdade. O final do século XVII e o século XVIII assistiram ao florescimento do Iluminismo, a radiosa época em que o dogma religioso inquestionável foi eclipsado pela crença na razão e na perfectibilidade humanas. Os triunfos dessa crença eram­ incontáveis: as descobertas científicas de Issac Newton e, depois, de Benjamin Franklin, do químico Antoine Lavoisier e do astrônomo William Herschel; a filosofia de John Locke e de Immanuel Kant; a inspirada irreverência de Voltaire; a sublime música de Mozart. (Franklin, Voltaire e Mozart eram maçons. A última ópera de Mozart, A Flauta Mágica, é uma alegoria da iluminação espiritual que os iniciados encontram na maçonaria.) Lojas maçônicas progressistas e livre-pensadores tiveram um papel importante na disseminação das novas ideias pela Europa e pelas Américas.

               Naqueles tempos instáveis, quando novos conhecimentos pareciam, às vezes, apenas fazer realçar quanto ainda se ignorava, havia os que procuravam respostas fora das disciplinas racionais comuns. Como sempre, o misticismo tinha seus adeptos. O filósofo David Hume, em seu livro A História Natural da Religião, de 1757, explicava o apelo do oculto em uma sociedade que, em alguns aspectos, perdera alegremente seus antiquíssimos rumos. 

 

 

               “Estamos colocados neste mundo, como em um grande teatro, onde as fontes e causas de todo evento estão inteiramente ocultas de nós”, escreveu Hume. “Não temos nem a sabedoria suficiente para prever, nem o poder de evitar, os males que constantemente nos ameaçam. Pairamos em perpétua oscilação entre a vida e a morte, a saúde e a doença, a abundância e a carência, que são distribuídas entre os humanos por razões desconhecidas e secretas, cujo obrar é amiúde inesperado, e sempre inexplicável. Essas razões desconhecidas, então, tornam-se objeto constante de nossas esperanças e temores; e enquanto as paixões são mantidas em perpétuo alarme pela ansiosa expectativa dos eventos, a imaginação é igualmente empregada para formar ideias desses poderes, dos quais temos uma dependência tão completa”.

 

 

               Mais do que qualquer outra das sociedades secretas que floresceram na Europa do Iluminismo, a dos maçons dedicava-se a “formar ideias desses     poderes”. Em todo o Continente, o ofício – tal como veio a ser conhecido – deixou raízes. Por volta do fim da década de 1730, havia lojas na Bélgica, na Rússia, na Itália, na Alemanha e na Suíça. No entanto, a seita parecia ter um apelo especial na França, em parte devido ao furor que então causavam todas as coisas inglesas nesse país. Em 1735 havia cinco lojas maçônicas em Paris; em 1742, a organização possuía 22 lojas. Cerca de 45 anos depois, às vésperas da Revolução Francesa, havia talvez 100 mil maçons na França. Nenhuma revolta avassaladora contra a ordem estabelecida ameaçava a Inglaterra, onde a maçonaria continuava prosperando de maneira ordenada e polida.

               Mas as paixões que varreram a França por todo o século XVIII transformaram a estrutura simples da organização. Em sua constituição original, como uma guilda de ofício medieval, os maçons exigiam um curso de sete anos de instrução e aprendizagem para os iniciados antes de conceder-lhes a condição de membros plenos do ofício. Entre os membros de pleno direito, o mais respeitado era o mestre maçom, o encarregado do projeto de construção. Três estágios, que correspondiam mais ou menos a aprendiz, membro e mestre, continuavam existindo no modelo da maçonaria inglesa do século XVII, permitindo que os membros progredissem através de três “graus” de crescente prestígio na loja.

               Na França, porém, os graus brotaram como flores do campo. Em pouco tempo, os membros referiam-se uns aos outros como comandante do triângulo luminoso, doutor do fogo sagrado, e mestre sublime do anel luminoso. Não havia duas lojas que seguissem o mesmo ritual. Em algumas cidades, contra todos os preceitos maçônicos de desconsideração pelas classes, havia duas lojas: uma para os nobres, e outra para os burgueses e artesãos de menor importância.

               A proliferação de graus barrocos, combinada a uma busca cada vez mais febril de ligações com cultos antigos, começou a preocupar os soberanos de terras como a França e a Bavária, onde a todo-poderosa Igreja Católica Romana almejava à vassalagem exclusiva de seus súditos. A constituição inglesa original da ordem advertia que um membro não deveria “nunca envolver-se em Complôs e Conspirações contra a Paz e o Bem-Estar da nação”. Mas a base da maçonaria, escreveu o historiador moderno americano James H. Billington, era uma “meritocracia moral implicitamente subversiva em qualquer sociedade baseada em uma hierarquia tradicional”.

               Não é difícil imaginar o alarme da igreja. A maçonaria vinha desenvolvendo com rapidez seus próprios rituais, histórias e lendas, além de sua própria hierarquia, tal como a religião organizada. Somente o grão-mestre – o exaltado líder da grande loja de uma nação – podia aceder à petição que permitia a abertura de uma nova loja. O mestre proposto e os membros da nova loja eram então apresentados ao grão-mestre, que declarava diante dos peticionários reunidos que a loja estava devidamente constituída. Depois da posse do mestre da nova loja, este recebia a constituição, o livro da loja e a jóia do cargo. O mestre, então, escolhia os dois curadores, seus oficiais subordinados.

               No início do século XVIII, segundo os registros, as reuniões da loja costumavam ser realizadas em uma sala particular de uma hospedaria ou taverna, com os membros sentados em torno de uma longa mesa sobre cavaletes. Grande parte do tempo era dedicada a questões administrativas, mas o ponto alto era – e é ainda – a iniciação de novos membros ou a concessão de graus ou ordens mais elevadas para os membros existentes. Esse espetáculo, durante o qual se realizavam os rituais elaborados e simbólicos da maçonaria, hoje em dia é apresentado em uma sala da loja especialmente decorada. Antes de uma iniciação, um diálogo cerimonial invariável ocorre entre o mestre e os vários oficiais da loja. Enquanto isso, em uma antessala, um homem chamado de telheiro – tyler em inglês – está com a espada desembainhada, de guarda contra intrusões de estranhos.

               Seu título em inglês deriva da ortografia arcaica de telheiro, profissional que faz o telhado ou fabrica telhas, sendo portanto um membro provável da antiga guilda de ofício dos pedreiros – construtores. O telheiro retira o casaco e a gravata do candidato e solicita-lhe que se despoje de todo dinheiro e objetos de metal. Isso é feito, diz-se ao candidato, para que, caso ele encontre um companheiro maçom “em situação aflitiva”, se lembre de que foi recebido na ordem “pobre e sem um tostão” e aja com a compaixão apropriada. A perna esquerda das calças do candidato é enrolada até acima do joelho, o peito esquerdo é exposto e seu sapato direito é tirado e substituído por um chinelo: no jargão maçônico, ele está “achinelado”. Só os iniciados sabem com certeza qual é o sentido destas três últimas alterações no vestuário do candidato. No entanto, alguns historiadores maçônicos sugerem que elas têm origem na Companhia de Jesus, da Igreja Católica e simbolizam, respectivamente, o voto de pobreza, a prova de que o iniciando não é uma mulher e um lembrete de como o fundador da ordem dos jesuítas, Inácio de Loiola, que tinha um pé defeituoso, começou sua peregrinação para catequizar os pagãos.

               Depois que as roupas do candidato estão adequadamente desarrumadas, o telheiro o venda ­ “encobre”, em termos maçônicos – para demonstrar seu “estado de trevas”. Uma corda com um laço de correr, ou de reboque, é colocada em volta da garganta dele. O candidato, que nessa altura já está bastante rebaixado, é levado até a porta da sala principal, onde se confronta com o guarda interior – um oficial que barra sua passagem colocando-lhe contra o peito a ponta de uma adaga. Depois de alguns instantes de tensão o candidato – ainda vendado – é levado à câmara para deparar-se com o mestre e os demais membros da loja. O noviço deve responder com precisão a uma série de perguntas rituais feitas a ele pelo mestre. Ajoelhado diante dele, o candidato jura não “revelar, escrever, ditar, marcar, gravar ou de qualquer outro modo delinear qualquer parte dos segredos da maçonaria”. Se faltar com sua palavra, o candidato concorda em “ter minha garganta cortada, minha língua arrancada pela raiz e enterrada na areia do mar na marca da maré baixa”.

               Depois de feito o juramento, o mestre ordena que a venda e o laço sejam removidos e explica o significado dos testes pelos quais o candidato acabou de passar. Revela então ao iniciando o passo, o sinal e o aperto de mão secretos de um aprendiz maçom admitido. Tal como é revelado em diversas descrições do ritual maçônico os gestos são, respectivamente: um passo curto com o pé esquerdo, trazendo o calcanhar direito para debaixo do seu arco; a mão passada rapidamente sobre a garganta; a pressão do polegar sobre o nó do dedo indicador de outro maçom ao apertar as mãos. Finalmente, é dita a senha secreta: “Boaz”, que quer dizer “com força”.

               Cada novo aprendiz admitido recebe um conjunto de ferramentas que evocam as origens da sociedade como grupo de trabalhadores, mas que, segundo se diz, representam também certas virtudes ou idéias significativas. Recebe um martelo, que simboliza a força da consciência; um cinzel, que representa as vantagens da educação; e uma régua de 24 polegadas, pelas 24 ho­ras do dia. Após um período de estudos, o aprendiz pode tornar-­se um maçom do segundo grau, ou companheiro de ofício. Nessa altura, ele recebe um esquadro (representando a moralidade), um nível (representando a igualdade) e um prumo (símbolo da retidão). Os maçons de terceiro grau, chamados de mestres, recebem uma colher de pedreiro que simboliza o amor fraternal; a pá é usada para cimentar os tijolos individuais que, na simbologia maçônica, representam os indivíduos humanos.

               Na tradição do ofício, o progresso do maçom em direção a uma posição mais nobre é comparado a seu progresso na construção de um templo. A metáfora é simples – atributos pessoais mais elevados equivalem a maiores habilidades como construtor. Para a Igreja Católica Romana do século XVIII, tudo isso parecia-se demais com uma religião rival, e sua reação foi o ataque, sem vacilações. Em 1738, o papa Clemente XII emitiu a primeira de uma série de denúncias papais da maçonaria, ordenando a excomunhão de todos os católicos que fossem iniciados no ofício. O Vaticano denunciou o juramento de segredo da maçonaria como ameaça à santidade da confissão e à autoridade da Igreja. Opôs-se à associação íntima entre homens de fés deferentes e citou “outros motivos justos e razoáveis” para sua tomada de posição. Por toda a Europa, as autoridades seculares aplacaram as sanções da Igreja, castigando e torturando maçons. Os destinos do ofício oscilavam segundo quem estivesse no poder, mas a maçonaria chegara ao ponto em que não podia ser destruída. Seus adeptos eram numerosos e influentes demais.

               Além disso, com certeza, a perseguição não era novidade para os maçons. Mesmo antes da primeira bula papal, os maçons ingleses foram muitas vezes acusados de estar em liga com o Anticristo. “Por que deveriam eles reunir-se em locais secretos e com sinais secretos, para que ninguém os observasse fazendo a obra de Deus”, inquiria um panfletista, “não são esses os modos do mal?” Ataques parecidos sugeriam que as reuniões das lojas não passavam de um disfarce para experiências de alquimia, que todos sabiam ser obra do demônio. Após a fundação oficial da grande loja de Londres em 1717, as denúncias contra a organização foram publicadas com regularidade. Muitos afirmavam que as reuniões das lojas eram orgias homossexuais, com sodomia e flagelação.

               A exclusão das mulheres do ofício fez com que este fosse um tema recorrente. A política, bem como a indignação moral, inflamavam às vezes os sentimentos antimaçônicos. Em 1735, as reuniões das lojas holandesas foram proibidas, pois temia-se que os irmãos estivessem secretamente envolvidos em fatos políticos nefandos. Proibições semelhantes seguiram-se na Suécia em 1738 e na Suíça em 1745. A imperatriz da Áustria fechou lojas em seu país, inclusive uma da qual seu marido era grão-mestre. Portanto, as pressões contra a maçonaria não tiveram origem no papa Clemente XII, nem eram domínio exclusivo da Igreja. Apesar disso, o desprazer do pontífice elevou o tom, colocando o mais poderoso corpo religioso do mundo oficialmente em conflito com a seita.

               Os maçons reagiram dedicando-se com mais afinco ainda à gloriosa história dos supostos ancestrais da seita. Estudiosos maçons estavam continuamente “descobrindo” laços que podem ter existido ou não com indivíduos e grupos que, por sua vez, podem ou não ter existido. Uma dessas estirpes, que teve ampla aceitação entre os maçons, remontava a Hiram Abiff, uma figura bíblica menor.

               Segundo a lenda maçônica, quando o rei Salomão ascendeu ao trono de Davi, dedicou a vida à construção de um templo para Deus e um palácio para os reis de Israel. Salomão contratou com o rei Hiram, de Tiro, cidade situada ao norte da antiga Israel, um exército de pedreiros e carpinteiros para ajudar os judeus a construírem o templo. Hiram de Tiro enviou os trabalhadores, chefiados pelo grão-mestre dos arquitetos dionisíacos, Hiram Abiff. Descrito como o trabalhador mais sagaz, hábil e inquisitivo que jamais viveu, Abiff comandava 183.600 artesãos, supervisores e trabalhadores. Usava um sistema de sinais e senhas mediante o qual qualquer capataz podia rapidamente avaliar a capacidade de um trabalhador. Três artesãos ousados de um grau inferior decidiram forçar Abiff a revelar a senha secreta do grau de mestre.

               Sabendo que ele sempre ia ao sanctum inacabado para rezar, ficaram à espera dele, um em cada entrada principal do templo. Hiram começou a sair pela porta sul e deparou-se com um homem que brandia um graminho de 24 polegadas. O mestre construtor negou-se a revelar a palavra secreta, e por isso foi golpeado na garganta. Dirigiu-se para a porta oeste e foi atingido por um esquadro no peito. Finalmente, ele foi cambaleando até a porta leste, e caiu morto golpeado pelo terceiro trabalhador, armado de um malho. Os assassinos enterraram Abiff em uma cova feita às pressas e os que mais tarde encontraram o corpo plantaram uma acácia no local. Na tradição maçônica, Abiff é considerado o maior mártir da seita, e seu destino trágico costuma ser relatado para que ninguém esqueça. a seriedade dos votos maçônicos de segredo. Entre os muitos maçons que homenagearam Abiff esteve Rudyard Kipling, que também propôs um modo alternativo de se escrever o nome do construtor, em seu poema “Noite de Banquete”: “Leve este recado a Hiram Abif/ Mestre excelente da mina e da forja: / Eu e os Irmãos gostaríamos/ Que ele e os Irmãos viessem jantar”.

               Os maçons desenvolveram uma afeição – e uma afinidade – semelhante por Pitágoras, o filósofo e matemático grego do século VI a.C., que ensinava que os números refletiam a harmonia do universo. Seus discípulos viviam juntos, desenvolvendo uma sociedade baseada no estudo de geometria, astronomia, aritmética e música. Após cinco anos de aprendizado, os membros do chamado círculo externo eram iniciados no círculo interno, onde descobriam as doutrinas místicas baseadas nas relações entre os números. Pitágoras fez mais do que procurar por uma base numérica para o universo. Ele e seus discípulos ascenderam a posições de poder em várias cidades gregas, e tentaram aplicar suas crenças idealistas no governo.

               No entanto, os cidadãos acabaram rebelando-se e matando os reis-filósofos. Com o tempo, começou a parecer que qualquer figura ou movimento da história que demonstrasse ter pretensão à virtude estava de algum modo ligado aos maçons. Em 1738 – no momento em que a ameaça papal contra os maçons estava sendo anunciada – o homem designado orador da grande loja da França, Andrew Michael Ramsay, fez um discurso notável, que foi imediatamente traduzido para o inglês como “Apologia dos Maçons Livres e Aceitos”. Para dizer a verdade, Ramsay começou meio na defensiva, observando que o propósito da organização era “tornar os homens amáveis, bons cidadãos, bons súditos, invioláveis em suas promessas, fiéis adoradores do amor de Deus, amantes da virtude antes da recompensa”. Tendo feito esse esclarecimento tranquilizador, Ramsay prosseguiu dizendo que os maçons não eram nada menos que os descendentes espirituais dos Cavaleiros Templários, o bando de cavaleiros franceses da Idade Média que protegia os peregrinos que viajavam para a Terra Santa ou dela voltavam, durante as Cruzadas.

               A ideia de Ramsay era que os cruzados eram maçons, além de templários, e que as palavras secretas da maçonaria tinham origem nas senhas dos acampamentos militares. Afirmou que, no final das Cruzadas, diversas lojas maçônicas haviam sido abertas no continente europeu. O príncipe Eduardo, filho do rei inglês Henrique IIII, supostamente apiedou-se dos exércitos cristãos vencidos na Palestina após a última Cruzada e trouxe-os de volta à Inglaterra no século XIII. Segundo Ramsay o príncipe, que mais tarde reinou como Eduardo I, fundou em seu país natal uma colônia de irmãos que se rebatizaram como maçons livres.

               Tal genealogia tinha por força que ser atraente para os franceses e, em menor medida, para os ingleses. Alguns, porém, consideraram-na um tanto bizarra demais e conceberam roteiro ligeiramente diferente. Propuseram que, embora os maçons já existissem de fato no tempo das Cruzadas, haviam entrado em contato com os Cavaleiros Templários ao construir suas fortalezas, hospitais, monastérios e igrejas. Desse modo, as qualidades caridosas e galantes dos templários foram transmitidas aos maçons. Outros ramos e variações maçônicas cresceram luxuriantemente no solo fértil do Iluminismo. Um dos desvios mais fascinantes da corrente principal foi o rito egípcio, fundado por um certo conde Cagliostro.

               Visto por muitos historiadores como um charlatão – Thomas Carlyle ridicularizou-o como o “Príncipe dos Curandeiros” – o conde é tratado por outros como uma figura importante na história do hipnotismo, das curas paranormais, da precognição, do espiritismo e da alquimia. Apareceu em Londres, em 1776, um jovem de 28 anos e passado misterioso, desfrutando a vida nababesca de um nobre. Sua esposa, a bela Lorenza Feliciani, mostrava-se invariavelmente vestida com as melhores roupas e jóias; o próprio Cagliostro, embora fosse um tanto robusto e tivesse nariz de batata, era tremendamente carismático. Instalou-se com Lorenza em um elegante apartamento, declarou-­se alquimista consumado e imediatamente conquistou um círculo de admiradores.

               Um ano depois de chegar a Londres, Cagliostro foi iniciado na ordem maçônica. Logo depois, após ter absorvido muitas das tradições maçônicas e ter vislumbrado seu potencial, foi para o continente e começou a promover uma loja egípcia na qual ele próprio assumiu o trono como grande Copta. Os detratores gostavam de parodiar esse título como “grande cofre”, refletindo a reputação de Cagliostro em alguns círculos como vigarista. Apesar disso, a variedade particularmente mágica de maçonaria do conde tinha seus atrativos. Ele abriu lojas na Holanda, na Alemanha e até na distante S. Petersburgo. Em Varsóvia, demonstrou suas técnicas de alquimia para o rei da Polônia. Em Estrasburgo, ouviu-se contar que o grande Cagliostro havia curado 15 mil pessoas em três anos.

               A história pessoal do conde foi objeto de algumas discussões. Alguns achavam que ele era italiano, outros espanhol, polaco, árabe. Uns poucos cínicos diziam que ele era um escroque pé-de-chinelo siciliano chamado Giuseppe Salsamo. Quando lhe perguntavam de onde era, Cagliostro simplesmente ria e dizia que nascera no mar Vermelho e fora criado à sombra das pirâmides. A fonte de sua riqueza tampouco era clara. Tinha se casado com uma rica herdeira mexicana, diziam alguns; outros afirmavam que ele assassinara um príncipe asiático pelo dinheiro. Sua própria explicação, dada diante do Parlamento francês, foi esta: “Que diferença faz se sou filho de um mendigo ou de um rei, ou por quais meios obtenho o dinheiro que quero, enquanto eu respeitar a religião e as leis e pagar a todos o que lhes cabe? Para mim foi sempre um prazer negar-me a satisfazer a curiosidade pública a esse respeito. Mesmo assim, condescenderei em dizer-vos o que nunca revelei a ninguém antes. O principal recurso de que me posso vangloriar é que, assim que ponho os pés em qualquer país, encontro nele um banqueiro que me fornece tudo o que quero”. Cagliostro deu uma resposta completa, mas não explicou nada.

               Da maneira que era professado, o rito egípcio tinha fortes influências da cabala judaica, que acreditava que Moisés ensinara um saber especial a uma antiga elite, na mesma época em que o Antigo Testamento estava sendo escrito para as massas. Os cabalistas sustentavam que a Palavra de Deus gerara o cosmo, e que os dez algarismos e as 22 letras do alfabeto hebraico eram os elementos de que o mundo é feito. De fato, certas palavras – tais como Jeová – eram tão poderosas que não poderiam jamais ser pronunciadas. Cagliostro, promovendo a idéia de que certas palavras tinham significados e poderes ocultos, dizia a seus seguidores que o rito egípcio podia regenerá-los física e moralmente, até guiá-los, finalmente, para a perfeição. Tanto homens como mulheres eram admitidos nas lojas do conde, prática altamente irregular na maçonaria.

               Certas cerimônias eram ligeiramente diferentes para cada sexo. Ao receber as mulheres, por exemplo, o grande Copta respirava no rosto delas e anunciava: “Respiro sobre ti este alento para fazer com que germine em ti e cresça em teu coração a verdade que possuímos”. Relatos de outras cerimônias de Cagliostro dão conta de que ele atirava uma espada para os céus e suplicava aos arcanjos que intercedessem por ele junto a Deus. Também se dizia que, após certo ritos de purificação, ele hipnotizava uma criança que então tinha visões e anunciava profecias. Com frequência, Cagliostro dizia aos que o ouviam que possuía uma pedra filosofal curativa e que concordaria em vender pedacinhos dela.

               O desaparecimento do conde é mais uma charada, mas muitos historiadores acreditam que ele tenha morrido em uma prisão italiana, para onde fora enviado ao tentar abrir uma loja do rito egípcio em Roma. Outro grupo secreto com algumas aproximações com a Maçonaria é a Ordem dos Illuminati. Fundada por Adam Weishaupt foi associada a inúmeras conspirações de cunho político e religioso. Como Weishaupt muitas vezes recrutava os membros de sua ordem entre os maçons, foi comum a associação entre as duas organizações secretas, como por exemplo na reação à queda da monarquia francesa. Em solo americano a teoria de uma conspiração mundial de illuminati e maçons repercute até a atualidade.

               O que praticamente desapareceu foi o tipo de fervor antimaçônico que infestou a república americana em seus primórdios. Recentemente, o número de afiliados diminuiu um pouco, e as autoridades maçônicas manifestaram inquietação com a possibilidade de que a organização decaia se não for capaz de satisfazer as necessidades dos jovens, que em geral parecem menos interessados em juntar-se a organizações fraternais. No entanto, os tempos de maior perigo para a irmandade parecem estar distantes no passado. A maçonaria de hoje conserva sua aura instigante de exoti­cismo, e há muito se livrou da bagagem de blasfêmia e subversão que seus membros precisavam carregar. Os maçons maus e sedentos de poder continuaram existindo apenas nos setores mais recônditos da imaginação dos teóricos da conspiração.

               Para a maioria das pessoas, a maçonaria é uma ordem benigna ­tão sóbria quanto os rotarianos, o Lions Club, ou inúmeros grupos cívicos ou de assistência social semelhantes. É claro que os maçons, fiéis a sua veneranda herança de ligações com o oculto, são mais inclinados a toda a panóplia de mistérios e títulos altissonantes do que a maior parte dos grupos cívicos ou sociais comuns. O velho modelo inglês da maçonaria. com seus três graus de associação, existe ainda, e muitos maçons param no terceiro grau, o de mestre. Outros, porém, passam por uma cerimônia chamada de arco real, que os introduz a todo um espectro de graus mais elevados. O Rito Antigo e Aceito da Maçonaria é um sistema de 33 graus que oferece títulos como mestre perfeito, príncipe de Jerusalém, grão-pontífice, chefe do tabernáculo, comandante do templo, grão-cavaleiro kadosh eleito, grão-inspetor inquisidor comandante e sublime príncipe do segredo real. E o Rito Antigo e Aceito é apenas um de uma cadeia escalonada de ordens e ritos.

               Há também inúmeras organizações sociais que encontram seus membros entre os maçons sem serem de fato ligadas a eles. Nos Estados Unidos, a mais conhecida dessas organizações é a Antiga Ordem Árabe dos Nobres do Santuário Místico – mais conhecidos como shriners, do inglês shrine, “santuário” – que admite apenas maçons que tenham alcançado o 32º grau. Memoráveis para muitos por desfilarem em vestimentas exóticas em suas convenções, os shriners têm também um propósito sério: ao longo dos anos, levantaram milhões de dólares para a caridade. Grupos semelhantes relacionados aos maçons, que se dedicam às boas obras, incluem a ordem Mística dos Profetas Velados do Reino Encantado e os Altos Cedros do Líbano. Parentes do sexo feminino dos mestres maçons podem ingressar na Ordem da Estrela do Oriente; os rapazes, na ordem de DeMolay e na Ordem dos Construtores; e as moças na ordem das Filhas de Jó e na Ordem do Arco-íris.

               Em sua maioria, porém, esses clubes desfrutam do favor maçônico apenas nos Estados Unidos. Os maçons ingleses, que aparentemente desconfiam da frivolidade dos clubes sociais, podem suspender seus membros por juntar-se a tais sociedades. Seja meramente pelos contatos sociais, ou pela gratificante iluminação da alma, há séculos a maçonaria vem atraindo figuras legendárias da história, tanto heróis como vilões. Com efeito, um livro de 1967, intitulado Dez Mil Maçons Famosos, ocupa quatro volumes com biografias resumidas. Assim como Mozart, os grandes compositores Franz Liszt e Franz Joseph Haydn eram maçons. Entre os maçons que se destacaram nas letras estão Johann Wolfgang Goethe, Alexander Pope, Sir Walter Scott, Robert Burns, Rudyard Kipling, Oscar Wilde e Mark Twain. Uma legião de presidentes americanos além de reis e príncipes ingleses pertenceram à irmandade. O primeiro-ministro inglês Winston Churchill era afiliado à ordem.

               Também o eram, diz-se, o mentor da Revolução Russa, Lênin, e Mohammad Reza Pahlevi, xá do Irã. Benedict Ar­nold também foi, bem como proeminentes militares americanos: Sam Houston, John J. Pershing e Douglas MacArthur estavam entre eles. Os maçons na aviação vão de Charles Lindbergh a inúmeros astronautas americanos. Os empresários da irmandade têm em sua fileiras John Jacob Astor e Henry Ford. Joseph Smith, fundador dos mórmons, era maçom, e dizem que alguns dos rituais secretos do mormonismo mostram influência dos ritos maçônicos. Ao longo dos anos, as figuras de proeminência que pertencem à maçonaria vêm sem dúvida servindo de amortecedor para a intolerância dirigida contra ela.

               Uma espécie de marco da aceitação da maçonaria aconteceu em 1965, quando o Vaticano revelou discretamente que os católicos romanos não mais seriam excomungados por juntar-se à organização nos Estados Unidos e na Grã-Bretanha. Assim foi posta de lado uma proibição que começara 230 anos antes, e fora reafirmada por sete papas em dezesseis pronunciamentos. Foi durante a histórica reunião do Segundo Concílio Vaticano, em meados da década de 60 – o mesmo conclave que decidiu permitir a celebração da missa em outras línguas além do latim – que a Igreja começou a mover-se no sentido de reavaliar sua posição acerca da maçonaria. O Vaticano continuou proibindo a associação à ordem na Itália, na França e em outros países que aderiram à forma de loja europeia chamada de grande oriente. Esse sistema, dizem, continua sendo anticatólico e ateu. Mas o significado da mudança da Igreja foi claro – na verdade, foi notícia de primeira página. O mais antigo, mais feroz e mais implacável opositor da maçonaria havia finalmente abrandado sua posição.

               Apesar disso, um legado corroído de má vontade subsiste um pouco por toda parte e pode não desaparecer jamais. Na Espanha de hoje, por exemplo, há os que se lembram bem da perseguição contra os maçons depois que o ditador Francisco Franco tomou o poder em meados da década de 30. Franco dirigiu sua ira contra os muitos legisladores, intelectuais e militares destacados que haviam sido iniciados nas lojas durante a república liberal que o precedeu. Uma lei para a repressão da maçonaria e do comunismo foi posta em ação com rapidez, e um tribunal foi formado especialmente para julgar maçons. “Houve centenas de execuções de maçons e os que podiam fugiram para o exterior e tiveram suas propriedades aqui confiscadas”, recorda o advogado madrilenho Francisco Epinar Lafuente. “Franco de fato acreditava na conspiração maçônica e os franquistas atacam-nos até hoje como nos velhos tempos”. Só no final dos anos 70 caiu a proibição de afiliação à ordem, e mesmo então o grão-mestre da irmandade, Jaime Fernández Gil de Terradillos, sentiu.se compelido a declarar que “Não somos uma sociedade secreta, mas discreta”.

               Na Itália, a descoberta em 1981 de uma loja maçônica espúria chamada P-2 provocou o colapso do governo – o que não foi lá uma ocorrência muito fora do comum na Itália do pós-guerra. Magistrados e uma comissão parlamentar especial descobriram que a P-2, chefiada por um misterioso financista chamado Licio Gelli, era o centro disfarçado de um quadro de influentes políticos, homens de negócio e militares que conspiravam sobre tudo, desde trapaças financeiras até golpes de estado. Na loja, Licio Gelli tinha o título de Il Venerabile, o venerável.

O escândalo forçou uma reorganização dos serviços secretos italianos e arruinou as carreiras de dezenas de servidores públicos e políticos. Gelli fugiu do país, mas foi apreendido na Suíça e extraditado para Roma em fevereiro de 1988. Entre as muitas perguntas urgentes que as autoridades italianas queriam colocar para o ex-maçom estava a que indagava do destino dado a um bilhão de dólares pilhados de um banco italiano em 1982. “A P-2 era mais do que uma organização política subversiva”, disse o sociólogo Pino Arlacchi, da Universidade de Florença. “Os documentos recolhidos pela comissão parlamentar demonstram que se tratava de uma espécie de organização internacional de múltiplos propósitos que influenciava tudo, desde a venda de armas até as compras de petróleo cru”.

               Episódios eventuais como esse da loja P-2 fornecem o combustível necessário para manter em fogo baixo a campanha contra os maçons, em particular nos países católicos e entre as pessoas que abraçam as correntes políticas reacionárias. Durante a campanha presidencial francesa de 1988, o candidato da Frente Nacional, de extrema direita, Jean Marie Le Pen, não teve problemas para encher um centro de convenções de 1.200 lugares em Amiens. Entre os que o ouviam havia um senhor de 69 anos, vestido com um alinhado terno de tweed, que declarou estar ali para protestar contra o fato de a França ser “governada pelos maçons”. Tais resmungos, contudo, são o preço que os maçons têm que pagar pelo privilégio da exclusividade. Este caráter secreto e sigiloso tanto reforça a lealdade de seus membros como provoca reações às mais diversas daqueles não incluídos em suas fileiras. Entre os maçons, o interesse de grande parte dos de fora possivelmente sempre irá assumir a forma de uma desconfiança irada, de uma curiosidade grosseira acerca do que, exatamente, está acontecendo entre os muros silenciosos da misteriosa loja.

 

 

               Ritos Maçônicos

 

               Denomina-se de rito maçônico um conjunto sistemático de cerimônias e ensinamentos maçônicos, esses variam de acordo com o período histórico, conotação, objetivo e temática dada pelo seu criador. Os ritos de hoje mais difundidos são: Os ritos de York, o rito Escocês Antigo e Aceito, o rito Francês ou Moderno. No Brasil se exercem todos esses, mais se destacam também o rito Brasileiro e o Adonhiramita.

 

               Características

 

               Adonhiramita – Criado pelo Barão de Tschoudy, ilustre escritor, em Paris, França no ano de 1766, de caráter místico e cerimonial, atualmente só em funcionamento no Brasil. Iniciou-se no Recife, em 1878. Ficou adormecido até que em 1976, por iniciativa de Lauro Sodré, grão-mestre, deu o caráter de regular, legítimo e legal para o rito. Este sofreu atualizações, para a sua forma atual.

 

               Escocês antigo e aceito – Derivou-se do rito de Heredon, em primeiro de maio de 1786 foram fixados as regras e seus fundamentos, composto até hoje de 33 graus, atualmente é o rito mais difundido nos países latinos.

 

               Escocês retificado (1782) – Esse rito consiste numa reformulação do REAA e o objetivo era retirar um conteúdo por alguns considerados desnecessários.

 

               Estrita observância – Criado em 1764 pelo barão Hund, com fundamento nas antigas “Ordens da Cavalaria”. Era composto de 12 graus. Esse rito deu origem aos ritos da Alta Observância e o da Exata Observância.

 

               Rito francês ou moderno – A história desse rito se inicia em 1774, com a nomeação de uma comissão para se reduzir os graus, deixando apenas os simbólicos. No princípio houve uma forte oposição, então a comissão decidiu deixar 4 dos principais graus filosóficos; com o decorrer do tempo, algumas lojas adotaram o rito. Atualmente, é muito praticada na França e nos países que estiveram sob sua influência.

 

               Heredon ou perfeição – iniciado em Paris, em 1958.

 

               York (ou Arco Real) – Acredita-se Ter sido criado por volta de 1743, foi levado à Inglaterra por volta de 1977, inicialmente foi composta de 4 graus, hoje possui 13, atualmente é o rito mais difundido no mundo.

 

               Mizraim ou egípcio – Surgiu na Itália por volta de 1813, e em seguida foi levada à França por Marc, Michel e Joseph Bédarride. Mizr significa Egito em hebraico, e seus divulgadores afirmam ser derivado dos Antigos Mistérios Egípcios. Possuem 90 graus, divididos em 4 classes:

 

                              Mênphis ou Oriental – Foi introduzido em Marselha (França) pelos Maçons Marconis de Négre e Mouret, no ano de 1838. Esse rito dirige seus ensinamentos como os de Mizraim para a tradição Egípcia, compõe-se de 92 graus divididos em 3 séries.

                              Mênphis-Mizraim – Rito criado com a reunião dos ritos de Mênphis e Mizraim em 1899 no Grande Oriente da França.

                              Mizraim-Mênphis – Rito criado com a reunião dos dois ritos, com conotação voltada ao Mizraim.

                              Adoção – Criado pelo grande Cagliostro (veja Alta Magia) na França em 1730, e reconhecido pelo Grande Oriente da França em 1774. Trata-se de um rito voltado para a temática egípcia e com participação de mulheres.

 

               Schröeder – Criado por Frederik Luis Schröeder, em 1766 na Alemanha, com a idéia de maçonaria. Conta apenas com suas características fundamentais iniciais, sem nenhum acréscimo, estudou muito as origens maçônicas para compor esse rito.

 

               Swendeborg – Criado em 1721 pelo sueco Emmanuel Swendenborg, grande iluminista, teósofo, filósofo, psicólogo, físico e estudioso dos mistérios maçônicos, desenvolveu este rito em 8 graus, e deu origem aos ritos denominados iluministas.

Algumas Sociedades Secretas